segunda-feira, 28 de abril de 2014

VASCO GRAÇA MOURA (1942-2014)

Poeta, ensaísta e político social-democrata Vasco Graça Moura morreu na manhã deste domingo no Hospital da Luz em Lisboa, após uma longa e estóica luta contra o cancro, confirmou o PÚBLICO junto de fonte próxima da família. Tinha 72 anos.
Mesmo na sua fase terminal, a doença não o impediu de desempenhar, quase até aos últimos dia de vida, as suas funções de presidente do Centro Cultural de Belém (CCB), nem de continuar a escrever e publicar livros e de enviar as suas crónicas semanais para o Diário de Notícias.
O corpo de Vasco Graça Moura estará a partir das 19h de domingo na Basílica da Estrela, em Lisboa. Na segunda-feira, ficará todo o dia em câmara ardente, estando prevista uma homenagem pública às 21h, com música de Bach e fado. Na terça-feira, será rezada uma missa pelo padre Tolentino Mendonça, às 10h, seguindo o corpo para o Cemitério dos Olivais, onde será cremado. As cinzas irão depois para o Porto, onde nasceu.
Homenageado em final de Janeiro pelo Presidente da República com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada, a culminar o colóquio que a Fundação Gulbenkian lhe dedicou, Vasco Graça Moura era uma figura de características únicas na cultura portuguesa actual.
Poeta e tradutor de grandes poetas, romancista, ensaísta, dramaturgo, cronista, antologiador, historiador honoris causa, advogado, político, gestor cultural – e podiam acrescentar-se várias outras actividades –, Graça Moura foi um improvável espírito renascentista encarnado neste presente um pouco caótico de mais para o seu assumido gosto pela ordem e pela disciplina. Mesmo que nos fiquemos pela sua obra literária em sentido lato, seria talvez preciso recuarmos a um Jorge de Sena para encontrarmos um antecessor convincente da diversidade, qualidade e intensidade do seu trabalho criativo e intelectual.
Autor de quase 30 livros de poemas, de Modo Mudando (1963) a O Caderno da Casa das Nuvens (2010), foi ainda um tradutor épico, que parecia ter particular prazer em impor-se desafios colossais, como o de verter em português a Divina Comédia e a Vita Nuova de Dante, ou as Rimas e Triunfos de Petrarca, ou os Testamentos de François Villon, ou ainda a integral dos Sonetos de Shakespeare.
Escolhas que certamente coincidem com as suas paixões pessoais de leitor, mas às quais também não terá sido alheio um certo sentido de missão: Graça Moura empenhou-se, como tradutor, em enriquecer o património literário disponível em língua portuguesa, como se esforçou, enquanto responsável da Imprensa Nacional/Casa da Moeda (IN/CM), que dirigiu ao longo de toda a década de 1980, por combater o progressivo esquecimento dos grandes autores portugueses do passado. 
Traduzindo directamente do espanhol, do francês, do italiano, do inglês e do alemão, traduziu, além dos autores já referidos, extensas escolhas de poetas como Pierre Ronsard, Rainer Maria Rilke, Gottfried Benn, Walter Benjamin, Federico García Lorca, Jaime Sabines, H. M. Enzensberger ou Seamus Heaney, e ofereceu-nos ainda versões portuguesas de algumas das peças mais importantes dos três grandes dramaturgos franceses do século XVII: Corneille, Molière e Racine. 

Prémio Pessoa em 1995
É por estas duas dimensões, a de poeta e a de tradutor, que é mais reconhecido, e foram elas que lhe valeram as principais distinções atribuídas à sua obra, a começar pelo Prémio Pessoa, em 1995, e incluindo a criteriosa Coroa de Ouro do Festival de Struga, na Macedónia, que recebeu em 2004 – entre os vencedores das três edições anteriores contam-se dois prémios Nobel: Tomas Tranströmer e Seamus Heaney – e o Prémio Nacional de Tradução atribuído em 2007 pelo Ministério da Cultura italiano. 
Mas outras dimensões da obra de Graça Moura, como a ficção ou o ensaísmo, estão longe de ser negligenciáveis. Se títulos como Luís de Camões, Alguns Desafios (1980), Camões e a Divina Proporção (1985) ou Os Penhascos e a Serpente (1987) lhe dão um lugar de indiscutível relevo entre os camonistas contemporâneos, os seus ensaios abarcam temas tão variados como os Descobrimentos, a pintura portuguesa da Renascença, a construção da identidade cultural europeia, o fado, a pintura de José Rodrigues ou Graça Morais, a literatura de David Mourão-Ferreira ou Vitorino Nemésio, para citar apenas uma breve amostra. À qual não se pode deixar de somar o tópico do Acordo Ortográfico, que considerava um crime de lesa-língua, e ao qual dedicou, em 2008, o ensaio Acordo Ortográfico: a Perspectiva do Desastre. Tentar travar a sua aplicação tornou-se o grande combate cívico dos seus últimos anos.


Toda a sua obra está disponível na Biblioteca Municipal.

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